Suspensão de obras no setor de petróleo deixa rastro de dívidas
A suspensão de obras e contratos pela Petrobras nos últimos três anos deixou um rastro de dívidas, inadimplência e equipamentos estocados em pátios de fábricas sem destino certo. Segundo a Associação Brasileira de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), as dívidas de empresas da cadeia de óleo e gás somam R$ 286 milhões. Deste total, R$ 198,6 milhões referem-se a equipamentos já entregues, como os de algumas unidades do Comperj e os da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, além de peças para plataformas e fábricas de fertilizantes. Outros R$ 87,3 milhões ainda não foram sequer faturados.
A conta em aberto volta à tona no momento em que o setor de máquinas está prestes a lidar com índices menores de exigência de conteúdo local nos leilões de petróleo marcados para o segundo semestre. O segmento já tinha sentido os efeitos da queda do preço do petróleo no mercado internacional e da revisão de investimentos da Petrobras após a Lava-Jato. A puxada de freio da Petrobras significou passar de um plano de negócios que previa investimentos de US$ 236,7 bilhões de 2013 a 2017 para uma previsão de US$ 74,1 bilhões no período de 2017 a 2021.
Segundo Alberto Machado, diretor executivo de Petróleo e Gás da Abimaq, não é possível repassar os equipamentos a outros clientes em razão dos contratos existentes. Nos últimos seis anos, o setor de máquinas perdeu cerca de 88 mil empregos diretos, passando de 380 mil postos de trabalho em 2011 para 292 mil em abril. O setor naval vive momento similar: dos 40 estaleiros que existiam no país, 12 já estão paralisados e dos 82 mil empregos diretos até 2014 restam cerca de 30 mil.
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A crise teve um efeito em cascata. Além da restrição de recursos da Petrobras para dar continuidade a projetos, que tiveram de ser suspensos ou cancelados, muitos fornecedores e empresas contratadas para executar serviços estavam envolvidas em irregularidades e acabaram excluídas das licitações da estatal. Recentemente, a estatal passou a contratar serviços no exterior. O caso mais emblemático é a do navio-plataforma (FPSO) de Libra, no pré-sal. A justificativa era a existência de preços de fabricantes locais 40% superiores ao esperado. O consórcio, operado pela Petrobras, e que conta também com Shell, Total, CNPC e CNOOC, solicitou à Agência Nacional do Petróleo (ANP) a liberação do cumprimento do percentual médio de 55% de conteúdo local no projeto. Já as entidades de classe argumentam que não foram procuradas pela Petrobras para fazer a projeção de custos e que têm condições de oferecer preços competitivos.
Nos próximos leilões, o índice de conteúdo local na exploração de campos em mar em profundidade superior a cem metros será de 18%. A etapa de desenvolvimento da produção terá índices de 25% na construção do poço, 40% no sistema de coleta e 25% na plataforma. O percentual abrange produtos e serviços. A indústria argumenta que esse patamar para plataformas pode ser alcançado somente com a realização de serviços gerais, sem a contratação de um parafuso no país.
— A engenharia de um projeto representa cerca de 5% de uma plataforma. A empresa que for contratada pela Petrobras vai fazer o projeto de engenharia lá fora — afirma Nelson Romano, presidente da Associação Brasileira de Engenharia Industrial (Abemi), lembrando que 50% dos cinco mil engenheiros associados estão desempregados ou exercendo atividades como motorista de Uber.
Para Edmar Almeida, do Grupo de Economia da Energia da UFRJ, o debate deveria ser centrado não em percentuais, mas numa política industrial que promova o desenvolvimento:
— Não se trata de discutir percentuais de conteúdo local porque isso envolve interesses comerciais de petroleiras e fornecedores e a discussão fica restrita. É preciso discutir uma política que busque conteúdo local associado a desenvolvimento tecnológico e inovação.
Em nota, a Petrobras reafirma sua disposição de contratar no Brasil suas encomendas desde que os fornecedores apresentem preços competitivos e entreguem as obras no prazo previsto, de acordo com critérios de qualidade e especificações técnicas. A estatal ressalta que “a adoção de percentuais mais próximos da capacidade do mercado fornecedor garante maior previsibilidade de cumprimento dos requisitos de conteúdo local, atraindo mais investimentos para a indústria como um todo”.
Programa de qualificação para após gastos de R$ 292 milhões
Lançado na década passada, o Programa de Mobilização da Indústria Nacional de Petróleo e Gás Natural (Prominp) consumiu R$ 292 milhões em gastos no período de 2007 a 2013 com a formação de quase cem mil trabalhadores qualificados. Segundo Márcio Félix, secretário de Petróleo e Gás do Ministério de Minas e Energia, o Prominp parou desde 2014 após os desdobramentos da Operação Lava-Jato e o agravamento da crise financeira da Petrobras.
— Desde fins de 2014 o Prominp entrou em estado de hibernação devido à situação. Estamos trabalhando para que o Programa de Estímulo à Competitividade da Cadeia Produtiva (Pedefor) absorva o Prominp. Talvez o programa não volte a funcionar com esse nome, mas tem muita coisa boa que foi feita — disse Félix.
A mudança de cenário no setor de petróleo pegou de surpresa empresas, profissionais e estudantes. O jovem Gabriel Fonseca Peixoto, de 25 anos, se formou em engenharia de petróleo em 2014. Ele foi atraído pela perspectiva de crescimento da atividade de óleo e gás no país, mas concluiu o curso justamente no ano em que o segmento mergulhou na crise. Sem vagas na área, Gabriel fez um curso de inglês no exterior e, na volta, um de salvatagem (resgate), fundamental para um futuro emprego em plataforma:
— Desde adolescente sonhava entrar para o setor de petróleo. Todos diziam que era a carreira do futuro. Está muito difícil conseguir trabalho nessa área, mas não desisto. Tenho esperança com a retomada dos investimentos no setor com os leilões programados para este ano.
Compras da marinha
No setor naval, há 12 estaleiros paralisados. A situação é mais complicada para empreendimentos de grande porte voltados para a construção de plataformas ou sondas que seriam contratadas pela Petrobras, o que acabou não vingando.
— Foram feitos muitos investimentos com recursos públicos do Fundo de Marinha Mercante — disse Sérgio Bacci, vice-presidente do Sinaval.
A Marinha pretende renovar parte de sua frota, e negociações estão em curso com estaleiros de médio porte. Segundo Bacci, serão dez novas corvetas e de 30 a 40 novos navios de patrulha, que poderão render encomendas da ordem de US$ 2,5 bilhões para os próximos anos até 2022.
Fonte: Extra